RESOLUÇÃO CONJUNTA CNPCP/CNLGBTQIA+ nº 2, de 26 de março de 2024

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Estabelece parâmetros para o acolhimento de pessoas LGBTQIA+ em privação de liberdade no Brasil.

A Presidência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no uso das atribuições legais que lhe conferem o art. 64, I, da Lei nº 7.210/84 e o art. 69 do Decreto nº 11.348, de 1º de janeiro de 2023, e a A Presidência do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexuais e outras – CNLGBTQIA+, no uso das atribuições que lhe confere o Decreto nº 11.471, de 6 de abril de 2023, e

CONSIDERANDO o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, que estabelece a dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil;

CONSIDERANDO o art. 3º, incisos I e IV, da Constituição Federal de 1988, que estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;

CONSIDERANDO os direitos fundamentais previstos no art. 5º, incisos III, XLI, XLVI, XLVII, XLVIII e XLIX da Constituição Federal de 1988;

CONSIDERANDO o art. 5º, LXXVIII, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal de 1988, que versam sobre a internalização de tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico interno e sua observância obrigatória;

CONSIDERANDO os princípios de direitos humanos consagrados em documentos e tratados internacionais, em especial a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), o Protocolo de São Salvador (1988), a Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (Durban, 2001), as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Bangkok, 2010), as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos conhecidas como Regras de Nelson Mandela (2015) e as Regras Mínimas Padrão das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade (Tóquio, 1990);

CONSIDERANDO os princípios de Yogyakarta e sua reedição sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero (Yogyakarta, 2006; 2017);

CONSIDERANDO o que consta da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporada ao ordenamento jurídico por força do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992;

CONSIDERANDO o teor do Parecer Consultivo nº 24/17, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que versou sobre uma consulta da Costa Rica sobre identidade de gênero, igualdade e a não discriminação de casais do mesmo gênero, de observância obrigatória pelo Brasil por força do Decreto 4.463/2002, que expressamente asseverou que a orientação sexual, a identidade de gênero e a expressão de gênero são categorias protegidas pelo artigo

1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos estando, portanto, vedada qualquer norma, ato ou prática discriminatória baseada na orientação sexual ou na identidade de gênero das pessoas (item 68) e que, ainda, a Corte Interamericana asseverou que dentre os fatores que definem a identidade sexual e de gênero de uma pessoa se apresenta como prioridade o fator subjetivo (autopercepção) sobre o fator objetivo (caracteres físicos ou morfológicos);

CONSIDERANDO a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 28 de novembro de 2018, em suas Medidas Provisórias decretadas no caso do Complexo Penitenciário do Curado, que ordenou ao Estado brasileiro que adote, em caráter de urgência, as medidas necessárias para garantir a efetiva proteção das pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade;

CONSIDERANDO o disposto na Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal -, em especial nos artigos 5º, 40, 41 e 45, que versam sobre a individualização da execução penal, o respeito à integridade física e moral das pessoas privadas de liberdade, os direitos da pessoa presa e sobre a racionalidade da aplicação de sanções disciplinares no sistema prisional brasileiro;

CONSIDERANDO o Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento de gênero de mulheres transexuais, travestis e homens trans no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional;

CONSIDERANDO o teor da Resolução nº 348, do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti e intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitoradas eletronicamente;

CONSIDERANDO que o art. 2º da Resolução nº 348 do Conselho Nacional de Justiça estabelece que a resolução tem por objetivo a garantia do direito à vida e à integridade física e mental da população LGBTQIA+, assim como à sua integridade sexual, segurança do corpo, liberdade de expressão da identidade de gênero e orientação afetiva, emocional e/ou sexual, o reconhecimento do direito à autodeterminação de gênero e sexualidade da população LGBTQIA+ e a garantia, sem discriminação, de estudo, trabalho e demais direitos previstos em instrumentos legais e convencionais concernentes à população privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitoração eletrônica em geral, bem como a garantia de direitos específicos da população LGBTQIA+ nessas condições;

CONSIDERANDO o disposto na Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril 2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação- CNCD/LGBT e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária-CNPCP/MJ, publicada no DOU de 17/4/2014;

CONSIDERANDO o teor da Nota Técnica nº 9/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/ DEPEN, que trata dos procedimentos quanto à custódia de pessoas LGBTI no sistema prisional brasileiro, atendendo aos regramentos internacionais e nacionais, publicada no DOU de 3/4/2020;

CONSIDERANDO as decisões do Supremo Tribunal Federal-STF, com força vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, proferidas:

– na Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI 4.277-DF, Relator Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJE de 14/10/2011, segundo a qual o STF assentou a proibição da discriminação das pessoas em razão do gênero, bem como da orientação afetiva, emocional e/ou sexual;

– na Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI 4275, Relator p/ Acórdão Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe de 7/3/2019, na qual o STF decidiu que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero, manifestação da própria personalidade da pessoa humana;

– na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão-ADO 26, na qual o STF declarou a omissão do Estado brasileiro em proteger as pessoas LGBTQIA+, concluindo pela subsunção das condutas homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de incriminação definidos em legislação penal já existente, a saber, a Lei 7.716/89 – Lei do Racismo -, até que sobrevenha legislação autônoma editada pelo Congresso Nacional;

CONSIDERANDO a necessidade de garantir nas unidades prisionais a dignidade e a segurança das pessoas LGBTQIA+, pois é necessário considerar não apenas a intersexualidade, a identidade de gênero e a orientação afetiva, emocional e/ou sexual, mas também sua segurança social, psíquica e corporal resolve:

Art. 1º Estabelecer os parâmetros de acolhimento das pessoas LGBTQIA + em privação de liberdade no Brasil.

Da custódia

Art. 2º O reconhecimento da pessoa como parte da população LGBTQIA+ será feito exclusivamente por meio de autodeclaração, que deverá ser colhida pelo(a) magistrado(a) em audiência, em qualquer fase do procedimento penal, incluindo a audiência de custódia, até a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena, garantidos os direitos à privacidade e à

integridade da pessoa declarante. Nos casos em que o(a) magistrado(a), por qualquer meio, for informado(a) de que a pessoa em juízo pertence à população LGBTQIA+, deverá cientificá- la acerca da possibilidade da autodeclaração e informá-la, em linguagem acessível, os direitos e garantias que lhe assistem.

Parágrafo único. A informação autodeclarada poderá ser armazenada em caráter restrito, ou mesmo ser mantida sigilosa.

Art. 3º O local de privação de liberdade será definido pelo(a) magistrado(a) em decisão fundamentada após questionamento da preferência da pessoa presa, que poderá ocorrer em qualquer momento do processo penal ou da execução da pena, assegurada, ainda, a possibilidade de alteração. A preferência de local de detenção declarada pela pessoa constará expressamente da decisão ou sentença judicial que define o local de privação de liberdade.

Parágrafo único. O direito à escolha da unidade deverá ser assegurado especificamente às pessoas autodeclaradas mulheres e homens transexuais, travestis, pessoas transmasculinas e pessoas não-binárias.

Art. 4º A alocação da pessoa autodeclarada parte da população LGBTQIA+ em estabelecimento prisional, determinada pela autoridade judicial após escuta à pessoa interessada, não poderá resultar na perda de quaisquer direitos relacionados à execução penal em relação às demais pessoas custodiadas no mesmo estabelecimento, especialmente quanto ao acesso ao trabalho, à educação, atenção à saúde, alimentação, assistência material, social, religiosa, condições de cela, banho de sol, visitação e outras rotinas existentes na unidade.

Art. 5º O(a) magistrado(a) deverá explicar, em linguagem acessível, a estrutura dos estabelecimentos prisionais disponíveis na respectiva localidade, da localização de unidades masculina e feminina, da existência de alas ou celas específicas para a população LGBTQIA+, bem como dos reflexos dessa escolha na convivência e no exercício de direitos.

Art. 6º Unidades, alas ou celas específicas para as pessoas LGBTQIA+ em privação de liberdade não devem se destinar à aplicação de medida disciplinar ou de qualquer método coercitivo para outras pessoas privadas de liberdade, bem como não devem se destinar à segregação de pessoas acusadas de crimes contra a dignidade sexual.

§1º Em hipóteses excepcionais, tais como superlotação nos espaços destinados a pessoas LGBTQIA+ ou risco pessoal a estas pessoas provocado por motins, rebeliões ou outras situações semelhantes, poderão estas pessoas ser alocadas em espaços (unidades, alas ou celas) que não lhe são destinadas especificamente, desde que resguardadas sua integridade física e direitos estabelecidos, após decisão fundamentada e aprovada pelo(a) gestor(a) da unidade prisional, desde que em caráter temporário não superior a 30 (trinta) dias, até encaminhá-las para o devido acolhimento, nos termos preconizados nesta resolução.

§2º A Administração Penitenciária deverá comunicar o juízo responsável acerca da excepcionalidade da medida prevista no §1º em até 24 (vinte e quatro) horas para homologação.

§3º O prazo estabelecido no §1º pode ser prorrogado mediante decisão judicial fundamentada.

§4º Após o decurso do prazo estabelecido no §1°, quando da apreciação da prorrogação do período, o magistrado deverá avaliar a possibilidade de aplicar a monitoração eletrônica às pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade que se encontrarem em risco efetivo.

Art. 7º As pessoas intersexo serão encaminhadas à unidade feminina caso se identifiquem com o gênero feminino ou à unidade masculina, caso se identifiquem com o gênero masculino, podendo optar, na unidade que escolherem, pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas.

Art. 8º Caberá ao(à) magistrado(a) indagar à pessoa autodeclarada parte da população gay, lésbica, bissexual, assexual ou pansexual acerca da preferência pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas. Nestes casos não haverá escolha em relação à unidade prisional, mas apenas em relação a alas ou celas específicas, devendo a pessoa ser alocada em unidade masculina ou feminina, conforme sua identidade de gênero.

§1º O homem cisgênero gay deverá ser encaminhado para unidade masculina, pois se identifica com o gênero masculino, podendo optar pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas;

§2º A mulher cisgênero lésbica deverá ser encaminhada para unidade feminina, pois se identifica com o gênero feminino, podendo optar pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas;

§3º As pessoas cisgênero bissexuais, assexuais ou pansexuais serão encaminhadas à unidade feminina caso se identifiquem com o gênero feminino ou à unidade masculina, caso se identifiquem com o gênero masculino, podendo optar, na unidade que escolherem, pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas.

Art. 9º Em relação às pessoas transexuais, travestis, transmasculinas e não-binárias, para garantir os direitos à integridade sexual, à segurança do corpo, à liberdade de expressão da identidade de gênero e ao reconhecimento do direito à autodeterminação de gênero, cabe ao(à) magistrado(a) indagar à pessoa assim autodeclarada acerca da preferência pela custódia em unidade feminina ou masculina ou específica, onde houver, e na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas, inclusive em ala específica para pessoas transgênero, onde houver.

§1º Travestis e mulheres transexuais devem ser orientadas sobre todos os riscos que envolvem a tomada da decisão, e será facultada a escolha da unidade, feminina ou masculina, que ficará a cargo da própria pessoa.

§2º Homens transexuais e pessoas transmasculinas devem ser orientados sobre todos os riscos que envolvem a tomada da decisão, e será facultada a escolha da unidade, feminina ou masculina, que ficará a cargo da própria pessoa. Na hipótese de escolha por unidade masculina, o alerta sobre os riscos deverá conter a informação de que podem não haver policiais penais femininas lotadas no local.

§3º Pessoas trans autodeclaradas não-binárias e que não se identificam nem com o gênero masculino, nem com o feminino, devem ser orientadas sobre todos os riscos que envolvem a tomada da decisão, devendo ser observados os seguintes critérios:

I – da forma com que a pessoa escolheu construir/performar publicamente sua identidade, considerando sua expressão de gênero; e

II – da forma com que a pessoa construiu sua autoimagem na forma de se apresentar publicamente.

§4º É recomendável que pessoas trans autodeclaradas não-binárias que foram designadas homens ao nascer (AMAB) e que por escolha própria mantêm características alinhadas ao gênero masculino, sejam encaminhadas ao espaço destinado a este gênero, assim como aquelas designadas mulheres ao nascer (AFAB) e que mantenham, por escolha própria, características alinhadas ao gênero feminino, sejam encaminhadas ao espaço destinado a este gênero.

Art. 10. O(a) gestor(a) prisional ou responsável pela inclusão na unidade deve alocar a pessoa LGBTQIA+ em conformidade com a decisão judicial que determinou a prisão, independentemente de retificação de documentos ou da realização ou não de cirurgia de redesignação sexual.

Parágrafo único. Havendo omissão na decisão judicial de encaminhamento ao sistema prisional sobre a autodeclaração de pessoa LGBTQIA+ ou, ainda, divergência entre o que fora decidido e o que é informado na entrada na unidade, deverá o(a) gestor(a) da unidade alocar a pessoa em local que preserve sua segurança e imediatamente informar o Juízo da Execução, para a correspondente deliberação.

Art. 11. Deve ser viabilizada a criação e/ou a implementação de estabelecimentos penais específicos, alas ou celas de convívio LGBTQIA+ nas unidades penitenciárias femininas ou masculinas para promover a segurança e a integridade das pessoas transexuais, travestis, transmasculinas e não-binárias, em razão da especificidade da sua identidade de gênero.

Parágrafo único: A criação de qualquer espaço específico de privação de liberdade destinado à pessoas LGBTQIA+ deve atentar para a descentralização geográfica necessária com vistas à permanência da pessoa presa em local mais próximo possível ao seu meio social e familiar.

Da autodeclaração de pessoa LGBTQIA+ na hipótese de suspeita de falsidade

Art. 12. Na hipótese de fundada suspeita de falsidade na autodeclaração de pessoa LGBTQIA+, deverá ser instaurado procedimento apuratório pelo Juízo da Execução Penal, com jurisdição sobre a unidade prisional, garantido o contraditório e a ampla defesa à pessoa declarante.

§ 1º Considera-se falsa a autodeclaração da pessoa privada de liberdade que não corresponda à sua vivência, experiências e/ou reconhecimento social como pessoa LGBTQIA+, para alcançar finalidade diversa de garantia dos direitos à integridade sexual, à segurança do corpo, à liberdade de expressão de gênero e ao reconhecimento do direito à autodeterminação de gênero e de orientação afetiva, emocional e/ou sexual.

§2º O indício de falsidade da autodeclaração poderá ser reportado à diretoria da unidade prisional por qualquer pessoa em cumprimento de pena na unidade, qualquer servidor(a) lotado(a) na unidade ou por qualquer meio que possa ser considerado suficiente para instaurar procedimento apuratório.

§ 3º A diretoria deverá informar ao Juízo da Execução Penal com jurisdição sobre a unidade acerca da suspeita de falsidade no prazo máximo de 48 (quarenta e oito horas) a partir da ciência – formal ou informal – da situação.

§ 4º Sobre a situação apurada, devem ser juntados ao processo de execução penal da pessoa privada de liberdade:

a) parecer de profissional do serviço de psicologia do sistema prisional, observados os parâmetros das Resoluções do Conselho Federal de Psicologia nº 1, de 22 de março de 1999; Resolução nº 1, de 29 de janeiro de 2018 e Resolução nº 8, de 17 de maio de 2022;

b) parecer de profissional do serviço social do sistema prisional, observados os parâmetros das Resoluções do Conselho Federal de Serviço Social nº 845, de 26 de fevereiro de 2018 e nº Resolução nº 615, de 8 de setembro de 2011, e

c) parecer de comissão formada por três pessoas indicadas por entidades reconhecidamente idôneas de defesa de direitos humanos das pessoas LGBTQIA+ constantes de banco de dados administrado pelo Juízo das Execuções Penais.

§ 5º Os pareceres serão emitidos após entrevistas reservadas com a pessoa privada de liberdade que se declarou LGBTQIA+, devendo as perguntas focarem em aspectos de reconhecimento social, de vivência e experiências como uma pessoa LGBTQIA+.

§ 6º Após a emissão dos pareceres, serão ouvidos o Ministério Público e a pessoa declarante, que deverá sempre ser assistida juridicamente, seja por advogado(a) de sua livre escolha, seja por representante da Defensoria Pública.

§ 7º Após a instrução, o Juízo da Execução Penal deliberará sobre a manutenção ou não da pessoa autodeclarada LGBTQIA+ na unidade própria onde houver, ou masculina ou feminina ou na ala ou cela de convivência específica, conforme o caso.

Do direito ao nome social

Art. 13. Na unidade escolhida, a pessoa transexual, travesti, transmasculina ou não-binária tem direito à inclusão de seu nome social em todos os documentos produzidos e usados na unidade e, ainda, a ser chamada pelo nome social indicado, mesmo que em desacordo com o registro civil, por todos(as) os(as) policiais penais e demais profissionais envolvidos na execução penal.

Art. 14. O registro de admissão no estabelecimento prisional deverá conter campo específico para abranger a política de nome social, que indique a identidade reivindicada pela pessoa admitida no estabelecimento prisional. Caso não conste da guia de recolhimento à prisão, a informação deverá ser providenciada, inclusive, com solicitação ao Juízo da Execução Penal.

Art. 15. É assegurada a gratuidade na emissão e retificação de documentos civis das pessoas LGBTQIA+ em privação de liberdade, caso seja de seu interesse, providência que pode ser adotada pelo serviço social do sistema penal ou parcerias institucionais (art. 11, VII, c, da Resolução CNJ nº 348/2020).

Da busca ou revista pessoal

Art. 16. Busca ou revista pessoal é o ato de inspecionar o corpo e as vestes de uma pessoa com o intuito de preservar a segurança ou para encontrar algo que configure ilícito penal ou infração administrativa.

Art. 17. A busca pessoal em pessoa intersexo será realizada por policial penal masculino no caso de a pessoa revistada identificar-se com o gênero masculino, ou por policial feminina, na hipótese de a pessoa revistada identificar-se com o gênero feminino.

Art. 18. A busca pessoal em pessoas cisgênero será realizada de acordo com a identidade de gênero da pessoa abordada.

§ 1º A busca pessoal em homem cisgênero gay se dará por policiais penais masculinos e em mulheres cisgênero lésbicas ocorrerá por policiais penais femininas, habilitados(as) a fazer a revista.

§ 2º A busca pessoal em pessoas cisgênero bissexuais, assexuais ou pansexuais será realizada por policiais penais femininas, caso a pessoa revistada se identifique com o gênero feminino ou por policiais penais masculinos, na hipótese de se identificarem com o gênero masculino, em ambos os casos, por policiais com habilitação para fazer a revista.

Art. 19. A busca pessoal em pessoas transgênero será realizada de acordo com a identidade de gênero da pessoa revistada.

§ 1º Mulheres transexuais e travestis serão revistadas por policiais penais femininas;

§ 2º Homens transexuais e pessoas transmasculinas serão revistados por policiais penais femininas;

§ 3º Pessoas não-binárias serão revistadas por policiais penais femininas, caso tenham sido designadas mulheres ao nascer ou por policiais penais masculinos, caso tenham sido designados homens ao nascer, sem que isso signifique desconsideração de suas identidades, de forma a preservar suas integridades física e psíquica.

Art. 20. É vedado proceder à revista íntima em pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade em ambiente público, que exponha a nudez da pessoa revistada diante das demais, devendo-se proceder à revista íntima em ambiente reservado, que assegure a privacidade.

Parágrafo único. O gênero do(a) agente que procederá à revista íntima será determinado de acordo com a manifestação de vontade previamente afirmada pela pessoa LGBTQIA+ revistada, que deverá ser registrada por escrito.

Da visita

Art. 21. A visita de cônjuge, companheiro(a) em união estável, parentes e amigos(as) das pessoas LGBTQIA+ presas, deve ser realizada nos termos disciplinados nas regras gerais aplicáveis às demais pessoas em privação de liberdade, não sendo lícito o indeferimento do direito de visita com base na intersexualidade, na orientação afetiva, emocional e/ou sexual e/ou na identidade de gênero da pessoa presa.

Art. 22. Na hipótese de a pessoa LGBTQIA+ estar em pavilhão hospitalar ou enfermaria e impossibilitada de se locomover, ou em tratamento psiquiátrico, poderá receber visita no próprio local da internação ou em outro, de acordo com as regras da unidade. A visita ao(à) preso(a) internado(a) em unidades de saúde externas observará as regras da unidade.

Da revista de visitantes

Art. 23. Nos procedimentos de identificação e revista de visitantes LGBTQIA+ devem ser respeitadas sua intersexualidade, sua orientação afetiva, emocional e/ou sexual e sua identidade de gênero, vedadas quaisquer práticas discriminatórias.

Art. 24. Deve ser respeitado o nome social da pessoa visitante LGBTQIA+.

Art. 25. As visitantes que se identificarem como mulheres transexuais ou como travestis deverão ser tratadas por termos femininos, como senhora, ela, dela, entre outros. Os visitantes que se identificarem como homens trans ou pessoas transmasculinas deverão ser tratados por termos masculinos, como senhor, ele, dele, entre outros. Os(as) demais visitantes LGBTQIA+ deverão receber tratamento conforme sua manifestação de vontade.

Art. 26 A revista pessoal é a inspeção efetuada com fins de segurança, em todas as pessoas que pretendem ingressar em locais de privação de liberdade e que venham a ter contato direto ou indireto com pessoas privadas de liberdade ou com o interior do estabelecimento.

§ 1º A revista pessoal deve preservar a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada.

§ 2º A revista pessoal em ambiência prisional é de competência da polícia penal, vedada sua realização por agente privado.

§ 3º A revista pessoal deverá ocorrer mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raio-x, escâner corporal, dentre outras tecnologias e equipamentos de segurança capazes de identificar armas, explosivos, drogas ou outros objetos ilícitos, ou, excepcionalmente, de forma manual.

§ 4º Ressalvado o disposto no §3º, excepcionalmente, na ausência dos equipamentos mencionados no § 2º ou havendo fundada suspeita, poderá ser realizada a revista manual.

§ 5º Para efeitos desta Resolução, em caso da excepcionalidade da revista manual, a pessoa revistada permanecerá com as roupas íntimas.

§ 6º É vedada a revista vexatória, desumana ou degradante, notadamente:

I – desnudamento;

II – conduta que implique o toque ou a introdução de objetos nas cavidades corporais da

pessoa revistada;

III – uso de cães ou animais farejadores, ainda que treinados para esse fim;

IV – agachamento ou salto.

Art. 27. A revista manual em visitantes LGBTQIA+ será realizada por policial penal do gênero indicado pela visitante no momento de seu cadastro prévio para habilitação à visitação, respeitado o direito ao uso do nome social, sendo vedada a exposição de seus pertences pessoais associados à sua intersexualidade, à sua orientação afetiva, emocional e/ou sexual ou, ainda, à sua identidade de gênero de modo jocoso.

Art. 28. À pessoa visitante LGBTQIA+ que faça uso de acessórios, como apliques ou perucas, deve ser assegurado o direito de visita utilizando o acessório, desde que submetida a procedimentos de revista eletrônicos ou manuais.

Do acesso a itens

Art. 29. Observadas as disposições gerais da unidade prisional que dispõem sobre os objetos e materiais permitidos às pessoas privadas de liberdade e asseguradas as regras de segurança da unidade, é assegurado:

I – às pessoas intersexo, além dos itens a que todas as demais pessoas têm direito, o uso de roupas e o acesso controlado a utensílios e acessórios que preservem suas identidades de gênero autodeclaradas;

II – às travestis e às mulheres transexuais, além dos itens a que todas as demais pessoas têm direito, o acesso a vestimentas de acordo com sua identificação de gênero (feminina), à manutenção de seus cabelos compridos, inclusive mega hair, desde que fixo, ao uso controlado a pinças para extração de pelos e a produtos de maquiagem;

III – aos homens trans e pessoas transmasculinas, além dos itens a que todas as demais pessoas presas têm direito, além de vestimentas masculinas e ao binder ou topper (faixa ou colete de compressão de mamas) e ainda, se desejar, a manter o cabelo raspado.

IV – às pessoas não-binárias, além dos itens a que todas as demais pessoas presas têm direito, vestimentas, itens e acessórios de acordo com suas respectivas expressões de gênero.

Da visita íntima

Art. 30. É garantido às pessoas LGBTQIA+ em privação de liberdade o direito à visita íntima, caso seja adotada no estabelecimento penal, nos mesmos moldes concedido às demais pessoas presas, inclusive em relação aos cônjuges ou companheiros(as) que estejam custodiados(as) no mesmo estabelecimento.

§1º A formalização do casamento ou da declaração de união estável que envolva pessoa LGBTQIA+ privada de liberdade deverá ser facilitada e assegurada a partir do requerimento dos(as) interessados(as).

§2º É vedada a aplicação de sanção disciplinar devido à demonstração de afeto entre casais LGBTQIA+ no estabelecimento penal.

Da vedação de transferência compulsória

Art. 31. São vedados tratamentos desumanos e degradantes como transferências compulsórias entre celas, alas e/ou estabelecimentos -penais em razão da condição de pessoa declarada LGBTQIA+, salvo em situação de falsidade comprovada na autodeclaração.

Do direito à saúde

Art. 32. É garantida à população LGBTQIA+ em situação de privação de liberdade a atenção integral à saúde, atendidos os parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT (Portaria do Ministério da Saúde 2.836, de 1º de dezembro de 2011) e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional – PNAISP (Portaria Interministerial n° 1, de 2 de janeiro de 2014).

Parágrafo único. Caso o estabelecimento penal não disponha de assistência médica, farmacêutica ou odontológica, o atendimento deve ser garantido na rede de serviços do Sistema Único de Saúde-SUS ou rede parceira.

Art. 33. É garantido à pessoa privada de liberdade LGBTQIA+ o apoio psicológico e psiquiátrico, considerando o agravamento da saúde mental das pessoas LGBTQIA+, especialmente voltado à prevenção do suicídio, tratamento ginecológico, urológico e endocrinológico especializado, incluindo ainda o tratamento hormonal.

Art. 34. Devem ser assegurados os cuidados à pessoa convivendo com HIV e outras IST (infecções sexualmente transmissíveis), conforme a Lei n° 12.984, de 2 de junho de 2014, e outras que vierem a sucedê-la.

Parágrafo único. Devem ser garantidos os métodos de prevenção combinada de IST e HIV, com atenção especial à profilaxia pré (PrEP) e pós (PeP) exposição, bem como outras tecnologias de prevenção a serem adotadas pelo SUS.

Art. 35. Será garantido às pessoas LGBTQIA+ o sigilo das informações e diagnósticos constantes dos prontuários médicos, principalmente nos casos de informações sorológicas e outras IST, resguardando-se o direito constitucional à intimidade e assegurando-se, ainda, a testagem da pessoa privada de liberdade em relação a doenças infectocontagiosas, como HIV/TB (coinfecção entre HIV e tuberculose) e outras coinfecções, bem como outras doenças crônicas e infecciosas.

Do direito à educação

Art. 36. É garantido à pessoa LGBTQIA+, em igualdade de condições às demais pessoas privadas de liberdade, o acesso e a continuidade da sua formação educacional sob a responsabilidade do Estado conforme o preconizado na Lei de Execução Penal (LEP) e outros normativos que tratam o acesso à educação.

Parágrafo único. Deve ser assegurado a toda pessoa LGBTQIA+ em privação de liberdade o acesso à leitura, não apenas para a aquisição de conhecimentos gerais, mas também para garantia da remição da pena, e o acesso aos meios e ambientes educacionais que garantam este direito.

Do direito ao trabalho

Art. 37. É assegurada a não discriminação e o oferecimento de oportunidades em iguais condições em todas as iniciativas realizadas dentro do estabelecimento prisional, não podendo eventual isolamento ou alocação em espaços de convivência específicos representar impedimento ao oferecimento de vagas e oportunidades.

Art. 38. É assegurado à pessoa LGBTQIA+ privada de liberdade o oferecimento de vagas de capacitação e de trabalho nas oficinas ligadas ao Programa de Capacitação Profissional e Implementação de Oficinas Permanentes (PROCAP) ou a outro programa que venha a sucedê- lo, aliando-se à possibilidade de integração ao mercado de trabalho ainda dentro do sistema penitenciário.

Art. 39. É vedado o trabalho degradante ou humilhante em virtude da intersexualidade, da identidade de gênero e/ou da orientação afetiva, emocional e/ou sexual da pessoa privada de liberdade.

Do direito à assistência social

Art. 40.É direito das pessoas LGBTQIA+ o acesso à assistência social, devendo o serviço social dos estabelecimentos penais desenvolver ações contínuas dirigidas aos visitantes e às pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade, para garantia do respeito aos princípios de igualdade e à não discriminação e do direito ao autorreconhecimento.

Art. 41. Considerando a realidade de contato limitado ou por vezes inexistente entre pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade e suas famílias, o serviço social do sistema prisional deve desenvolver estratégias para incentivar e autorizar que visitantes de outra pessoa reclusa se cadastre como amigo(a)/visitante da pessoa LGBTQIA+ privada de liberdade e lhe forneça itens materiais em quantidade suficiente.

Art. 42. Ao gestor da unidade prisional cabe a articulação com os serviços sócio-assistenciais e o encaminhamento das pessoas LGBTQIA+ ao CRAS e ao CREAS (Centros de Referência da Assistência Social e Centros de Referência Especializados de Assistência Social), para acompanhamentos e encaminhamentos necessários.

Do auxílio-reclusão

Art. 43. O serviço social do sistema prisional deve fazer busca ativa junto à pessoa LGBTQIA+ e seus familiares acerca de informações para identificar se a pessoa privada de liberdade é segurada e possui família a ser beneficiada com o auxílio reclusão (Lei 7.210/84, art. 23, VI).

Do direito à assistência religiosa

Art. 44. É assegurado à pessoa LGBTQIA+ o direito à assistência religiosa, condicionada à sua expressa vontade, ou à de seu cônjuge ou companheiro(a), seguido por demais familiares, no caso de impossibilidade de manifestação da vontade, observada a liberdade de adesão às manifestações religiosas que desejar.

§1º A pessoa LGBTQIA+ privada de liberdade, no período da triagem/classificação, poderá informar sua religião e se deseja receber assistência dessa natureza, incluindo visitas e participação em celebrações religiosas no interior do estabelecimento prisional.

§ 2º É assegurada à pessoa LGBTQIA+, se desejar, a posse de livros de instrução religiosa.

§ 3º Deverá ser respeitada a negativa da pessoa LGBTQIA+ privada de liberdade em receber visita de qualquer representante religioso, ou participar de celebrações religiosas.

Da formação continuada de policiais penais e demais servidores(as)

Art. 45. O Estado deverá garantir a formação inicial e a capacitação continuada a todos(as) os(as) policiais penais e demais colaboradores envolvidos no âmbito da Execução Penal, considerando a perspectiva dos direitos humanos e os princípios de igualdade e não-discriminação de pessoas LGBTQIA+, com intuito de evitar quaisquer incorreções à legislação presente.

Parágrafo único. A capacitação deverá ser ministrada por profissional com comprovada experiência no tema e será oferecida no mínimo uma vez ao ano pelas Escolas de Gestão Penitenciária ou setor congênere estadual.

Da promoção da cidadania

Art. 46 A Administração Pública deve reservar um percentual de no mínimo 5% (cinco por cento) de vagas de trabalho remunerado voltadas às pessoas privadas de liberdade para a população LGBTQIA+ nos programas de inclusão ofertados pelas empresas privadas e/ou públicas que atuam em parceria com o Sistema Penitenciário.

Art. 47. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogada a Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

DOUGLAS DE MELO MARTINS

Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

JANAÍNA OLIVEIRA

Presidenta do Conselho Nacional de Direitos das Pessoas LGBTQIA+

ULYSSES DE OLIVEIRA GONÇALVES JÚNIOR

Presidente do Grupo de Trabalho pelo CNPCP

ANDERSON CAVICHIOLI

Relator pelo Conselho Nacional de Direitos das Pessoas LGBTQIA+

MARCUS CASTELO BRANCO ALVES SEMERARO RITO

Relator pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

Anexo I – Glossário

I – Pessoas LGBTQIA+: o conjunto de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queer, Intersexo, Assexuais e outras identidades, como pessoas não-binárias, transmasculinas, entre outras, que têm em comum o fato de estarem fora dos padrões da congeneridade e da heterossexualidade.

II – Sexo biológico: a designação de sexo de uma pessoa, sob a perspectiva estritamente biológica, diz respeito à sua conformação física e anatômica, restringindo-se à mera verificação de fatores genéticos (cromossomos), gonadais (ovários ou testículos), genitais (pênis ou vagina) ou morfológicos (aspectos físicos externos gerais). Esse critério não define a identidade de gênero da pessoa e dá ensejo à ordenação, segundo sua designação sexual no nascimento, em pessoas:

– do sexo masculino;

– do sexo feminino;

– intersexo (com características sexuais ambíguas).

III – Intersexualidade: condição corporal na qual há uma variação em relação ao padrão cultural atribuído aos corpos masculino ou feminino, por razões de ambiguidade genital, combinações de fatores genéticos e aparência, e variações cromossômicas sexuais diferentes. Há várias formas de intersexualidade em razão das configurações dos cromossomos, a localização dos órgãos genitais e a coexistência de tecidos testiculares e de ovários. A intersexualidade refere-se a um conjunto amplo de variações dos corpos tidos como masculinos e femininos. São catalogadas na Medicina mais de 40 (quarenta) variações de intersexualidade. São designadas como pessoas intersexo.

IV – Gênero: assenta-se em fatores psicossociais e se refere à forma como culturalmente é identificada, no âmbito social, a expressão da masculinidade e da feminilidade, adotando-se como parâmetro, para tanto, o modo de ser de uma pessoa nas relações sociais. É por essa razão que sexo é biológico, diferentemente de gênero, que é uma construção social, pois este decorre de papéis construídos a partir de interações humanas no âmbito da sociedade, que podem sofrer interferência histórica e cultural.

V – Expressão de gênero: são as maneiras como o gênero é demonstrado socialmente, no uso de vestimentas, modo de falar e de estilo, de agir e de interagir.

VI – Identidade de gênero: traduz a forma individual de pertencimento ou vinculação ao universo masculino ou feminino, ou a nenhum deles. É a vivência interna e individual do gênero tal como a pessoa se sente, a qual pode ou não corresponder ao sexo/gênero que lhe foi atribuído no momento do nascimento. Sob este critério, temos:

– cisgeneridade: é a correspondência entre a identidade de gênero e o sexo/gênero designado no nascimento.

– transgeneridade: é a não correspondência entre a identidade de gênero e o sexo/gênero designado no nascimento. A transgeneridade pode envolver ou não a modificação da aparência ou a função corporal através de meios médicos, cirúrgicos ou de outra forma, sempre que seja livremente escolhida. É um termo “guarda-chuva”, que pode ser desdobrado em:

VII – transexualidade: é a não correspondência entre a identidade de gênero e o sexo/gênero designado no nascimento, sendo que a característica da transexualidade é a pessoa identificar-se com o gênero oposto ao que lhe foi designado no nascimento. Independe da realização de qualquer procedimento cirúrgico ou médico. Sob este aspecto as pessoas transexuais podem ser:

– mulher transexual (mulher trans): é a pessoa que apesar de ter sido designada com o sexo/gênero masculino no nascimento, identifica-se como pertencente ao gênero feminino.

– homem transexual (homem trans): é a pessoa que apesar de ter sido designada com o sexo/gênero feminino no nascimento, identifica-se como pertencente ao gênero masculino.

VIII – transmasculinidade: identidade de gênero autônoma de uma pessoa que, apesar de ter sido designada com o sexo/gênero feminino no nascimento, identifica-se como pertencente ao gênero masculino.

IX – travestilidade: é uma identidade de gênero autônoma de uma pessoa que, apesar de ter sido designada como o sexo/gênero masculino no nascimento, identifica-se como travesti e deve ser tratada como pertencente ao gênero feminino.

X – não-binariedade: é a não identificação, quer com o gênero masculino, quer com o gênero feminino.

XI – autoidentificação ou autodeterminação: princípio jurídico que diz respeito à identidade de gênero de uma pessoa, segundo o qual é a pessoa, a partir da percepção de si (fator subjetivo) quem define sua identidade de gênero, e não suas características corporais, vale dizer, seu sexo biológico (fator objetivo). Dessa forma, havendo diferença entre o gênero definido no nascimento a partir do sexo biológico e o gênero com o qual a pessoa se identifica, este último deve prevalecer para todos os fins de direito. Este entendimento foi sedimentado no Parecer Consultivo nº 24/17, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de observância obrigatória pelo Brasil.

XII – orientação/condição afetiva, emocional e/ou sexual: diz respeito à atração afetiva, emocional e/ou sexual. Sob este critério, temos:

– heterossexualidade: capacidade de sentir atração afetiva, emocional, e/ou sexual por pessoas do gênero oposto. As pessoas que se identificam com a heterossexualidade são chamadas de heterossexuais.

– homossexualidade: capacidade de sentir atração afetiva, emocional e/ou sexual por pessoas do mesmo gênero. As pessoas que se identificam com a homossexualidade são chamadas de homossexuais.

A homossexualidade pode ser:

– masculina: homem sente atração por outro homem. É chamado gay.

– feminina: mulher sente atração por outra mulher. É chamada lésbica.

– bissexualidade: capacidade de sentir atração afetiva, emocional e/ou sexual por pessoas de ambos os gêneros. As pessoas que se identificam com a bissexualidade são chamadas bissexuais.

– assexualidade: é a reduzida, rara ou nenhuma atração sexual, podendo ou não estar acompanhada de desejo afetivo e/ou emocional. A pessoa que assim se identifica é chamada assexual – e não assexuado(a). Utiliza-se a sigla “ace” para designá-la. Quando a reduzida, rara ou ausência de atração diz respeito aos sentimentos, esta pessoa é designada arromântica. Utiliza-se a sigla “aro” para designá-la.

– pansexualidade: capacidade de sentir atração afetiva, emocional e/ou sexual por pessoas, independentemente do gênero com os quais estas pessoas se identificam ou se apresentam socialmente. São designadas pessoas pansexuais.

XIII – Queer: palavra de língua inglesa com vários significados. O mais abrangente designa tudo que está fora de padrões normativos. Na sigla LGBTQIA+, designa pessoas que rejeitam quaisquer rótulos referentes a gênero e sexualidade. Também pode significar os estudos acadêmicos chamados de queer, que lançam as bases críticas de categorias como minorias, gênero e identidade e atribuem ênfase sobre o discurso e sua (des)construção.

XIV – Nome social: política pública de inclusão social, que obriga a utilização da designação pela qual a pessoa transgênero (transexual, travesti, transmasculina ou não-binária) se identifica e é socialmente reconhecida (art. 1º, II, do Decreto Federal n. 8.727/16). O direito ao nome e ao tratamento adequado quanto à identidade de gênero constitui um pilar básico do respeito aos direitos fundamentais, em especial à igualdade e à não-discriminação.

Douglas de Melo Martins

Presidente do CNPCP

Janaína Oliveira

Presidente do CNLGBTQIA+

Fonte: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-conjunta-cnpcp/cnlgbtqia-n-2-de-26-de-marco-de-2024-552776438